Fitzwilliam Darcy nasceu herói do romance “Orgulho e preconceito”, de 1813, o segundo publicado pela inglesa Jane Austen. Charmoso e muito rico, ele é inicialmente rejeitado pela mocinha Elizabeth Bennet, que o crê arrogante e esnobe. Isso até descobrir que Mr. Darcy é generoso, corajoso e muito apaixonado. Perto dele, o safadinho Christian Grey, de “Cinquenta tons de cinza”, é um homem absolutamente desinteressante. Além de ser muito, mas muito vulgar.
— Apesar de ser preconceituoso no início do romance, Darcy sempre foi muito educado. Mesmo não sendo bonito, ele se tornou um galã pelos modos e pelo recato. Mr. Darcy era um gentleman, e isso é raro hoje. Talvez exista alguém parecido com ele, mas eu não conheço — diz o editor Marcos Maynart, que já trouxe ao Brasil um galã quase à moda antiga, o cantor Julio Iglesias.
O livro de Jane Austen foi bem recebido de imediato na Inglaterra. No mesmo ano da publicação, ganhou versão para o francês, começando então uma trajetória internacional que resultou na venda, até hoje, de 20 milhões de cópias ao redor do mundo. “Orgulho e preconceito” virou peça de teatro, musical no West End londrino, série de TV, filme de Hollywood e ganhou até uma versão em Bollywood (“Bride and prejudice”, uma brincadeira com o título em inglês “Pride and prejudice”). A célebre adaptação da BBC foi o ponto alto da carreira de Mr. Darcy, que, além de Colin Firth, já foi interpretado por Laurence Olivier (1940) e Matthew McFayden (2005).
O sucesso da série de TV fez a imprensa britânica classificar o momento de “darcymania”. Colin Firth virou superstar, e Mr. Darcy virou referência pop. Nos últimos 20 anos, uma série de produtos fez crescer o valor do galã bicentenário como ícone da cultura pop. Uma dezena de livros duvidosos foi editada (“O diário de Mr. Darcy” e “Os 50 tons de Mr. Darcy” são alguns). Frases do personagem foram estampadas em camisetas e louças — a maioria das peças à venda no Jane Austen Centre, em Bath — em todos os continentes. Durante as Olimpíadas de Londres, no ano passado, a onda de reinterpretações da famosa campanha “Keep calm and carry on”, usada pelos britânicos na Segunda Guerra Mundial, viu nascer um “Keep calm and find Mr. Darcy”. Pode acreditar, muita gente trocaria o brilhantismo político de Churchill por um refúgio em Pemberley, a propriedade de Mr. Darcy no interior da Inglaterra.
Elas querem fidelidade
No cinema, Mr. Darcy é inspiração explícita. A comédia romântica “Mensagem para você”, de Nora Ephron, homenageia a obra de Jane Austen, com os personagens de Meg Ryan e Tom Hanks fazendo referências ao casal Elizabeth e Darcy. A escritora inglesa Helen Fielding admitiu ter se inspirado em Mr. Darcy para criar o par romântico de sua heroína no best-seller “O diário de Bridget Jones”. Sem pudor, o chamou de Mark Darcy. Na adaptação para o cinema, o papel foi interpretado por... Colin Firth! Mas Mr. Darcy não se tornou um ícone apenas pelos modos refinados ou por ser um homem imensamente apaixonado. Ele foi também capaz de provar o seu amor fazendo Elizabeth Bennet se sentir especial. Se no início do romance ele não quis dançar com Elizabeth porque a considerava “tolerável, mas não bela o suficiente para me tentar”, no decorrer da história Darcy admite ter mudado de visão, pede desculpas e tenta corrigir seus erros. Em segredo, ele ajuda a família da heroína. E por fim deixa de lado os próprios preconceitos e os da sociedade para ficar com ela. A antropóloga Mirian Goldenberg diz que ser considerada única vira a cabeça de qualquer mulher.
— O Mr. Darcy faz de tudo para que a Elizabeth acredite nele, mas sem se exibir. As mulheres que eu pesquiso dizem que desejam essa generosidade. Mesmo as bem-sucedidas querem um ato simbólico, uma demonstração do quanto são especiais para aquele homem. Elizabeth não é a mais bonita, nem a mais valorizada, mas ele só tem olhos para ela. Um homem que luta pela mulher amada é especial — explica Mirian, frisando que hoje muitas mulheres se sentem invisíveis com tanta concorrência. — O que as mulheres mais me dizem é que querem fidelidade. É quase uma prova de amor.
Homens como o Darcy até existem, mas são raros. Por isso, essa fantasia é tão valorizada. Mas a fantasia começa muito antes da prova de amor. O interesse mútuo aparece porque Mr. Darcy e Elizabeth percebem um no outro algo que não tinham visto até então no seu círculo social. Quando se encontram, parecem estar à procura de alguma coisa, mas sem saber o quê, como explica a psicanalista Mônica Donetto Guedes.
— Ficamos presos à ideia de que uma relação é construída verbalmente, mas Darcy e Elizabeth se percebem desde o primeiro encontro. Um não consegue tirar os olhos do outro. É uma troca de olhares muito sedutora, não é preciso dizer nada. Para Freud, o estranho tem sempre algo de familiar. Apesar das diferenças iniciais, os dois percebem que têm algo em comum, que mais tarde se revela.
Bonito, rico e honrado
Mr. Darcy não resiste aos olhos e à “vivacidade do espírito” de Elizabeth, como ele mesmo afirma no final do romance. E ela não consegue evitar amar o homem que tanto se esforçou para vê-la feliz. Marcella Virzi, designer da dupla Virzi+DeLuca, não conseguiu resistir ao personagem. É fã assumida do Mr. Darcy.
— Li o livro pela primeira vez aos 14 anos e já o reli umas 15 vezes. Darcy representa os ideais românticos. Ele é bonito, elegante, muito rico e honrado. Mas Jane Austen escreve de forma a nos permitir acompanhar a transformação das idealizações dos personagens em paixão real — diz a designer.
Não custa lembrar que coube a Mr. Darcy uma das mais famosas declarações de amor da literatura inglesa: “Em vão tenho lutado comigo mesmo, mas nada consegui. Meus sentimentos não podem ser reprimidos; preciso que me permita dizer-lhe que eu a admiro e amo ardentemente”.
E se alguém ainda precisa de motivo para amar Mr. Darcy, bem, há sempre Colin Firth e aquela camisa branca. "
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